domingo, 6 de novembro de 2011

As ONGs e a jabuticaba

Dizem que a jabuticaba, da família das mirtáceas (myrciaria jaboticaba), só existe no Brasil. Tão peculiar quanto a deliciosa fruta, entretanto, são as organizações não governamentais (ONGs) brasileiras. Em sua maioria, vivem à custa de recursos públicos, quando não são criadas especialmente para obtê-los. Com as relações promíscuas que estabelecem com os governos, envolvem-se frequentemente em casos de corrupção.

Aliás, os desvios de recursos em nosso país possuem, há muitos anos, formato triangular. No primeiro vértice, políticos com maus antecedentes. Em outro, servidores públicos venais. No último extremo, empresas e ONGs desonestas. A base do triângulo é a impunidade. A cada escândalo mudam os atores, mas a novela é a mesma.

No Brasil, a oportunidade faz o ladrão. Com a proximidade da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, o Ministério do Turismo é a bola da vez. Como iremos receber milhões de turistas, a qualificação de trabalhadores desse segmento é considerada essencial. Assim, a roubalheira da moda foi criar cursos a distância para cozinheiros, camareiras, garçons, motoristas de táxi e outros profissionais da área de serviços. O resultado são milhões de reais desviados em aulas fantasmas.

É claro que no universo das ONGs existe de tudo. Desde a Pastoral da Criança, da saudosa Zilda Arns, que acompanha o desenvolvimento de 1,8 milhão de crianças brasileiras, às entidades de fachada cujos responsáveis foram presos na Operação Voucher.

A Controladoria-Geral da União (CGU) corre atrás do prejuízo, literalmente. Em suas andanças, durante 18 meses, constatou que as fraudes em parcerias do governo com as ONGs geraram prejuízo de R$ 360 milhões aos cofres públicos. No ano passado, encontrou na cidade de Alto Paraíso, no estado de Goiás, a senhora Aline Brazão, dirigente de 45 entidades sem fins lucrativos. Ao mesmo tempo, flagrou Antônio Vieira, que criava e colocava à venda organizações da sociedade civil de interesse público (Oscip). No Google, o anúncio escancarava a bandalheira: “Compre sua Oscip já aprovada e comece a operar imediatamente”. Pela bagatela de R$ 22 mil, qualquer candidato a corrupto adquiria
Oscip registrada, devidamente certificada pelo Ministério da Justiça.

No Orçamento da União, é impossível saber exatamente o valor destinado às ONGs. Mas é fácil apurar que, em média, R$ 3 bilhões por ano são transferidos pelo governo federal para cerca de 3.500 “entidades privadas sem fins lucrativos”, conjunto que inclui, além das ONGs e Oscips, fundações, partidos políticos e associações similares. O total repassado em 2010 (R$ 3,1 bilhões) corresponde aos gastos integrais dos ministérios da Cultura e do Meio Ambiente somados.

Para completar o descalabro, o Tribunal de Contas da União (TCU) constatou, em 2010, a existência de aproximadamente 40 mil prestações de contas não analisadas, decorrentes de convênios celebrados pelos órgãos federais com estados, municípios e entidades privadas. A situação beira o caos. Algumas associações são selecionadas com base em critérios duvidosos, os serviços que supostamente prestam não são auditados e as prestações de contas não são conferidas. Para os corruptos, vale o risco. O crime compensa.

Diante disso, o que fazer? É essencial que o Executivo promova o recadastramento imediato das ONGs e Oscips que recebem recursos públicos. Além disso, que o Ministério do Planejamento disponibilize para qualquer cidadão o acesso ao Sistema de Gestão de Convênios e Contratos de Repasses (Siconv), onde constam os nomes dos dirigentes, estatutos, atas, certidões negativas, cartas de recomendação, objetivos dos convênios, programas de trabalho, prestações de contas, e até o extrato da conta bancária criada para movimentar os recursos.

Em outras palavras, é preciso que o governo amplie o controle que a própria sociedade pode exercer sobre esse segmento. Que tal construir portal na internet onde conheçamos as entidades de cada cidade, o que fazem, quem são os responsáveis e quanto recebem dos governos? É o mínimo que se pode desejar, considerando que o governo, reconhecidamente, perdeu o controle sobre o que realmente fazem essas instituições, governamentais até os fios do cabelo.

Com a transparência, a própria sociedade irá separar as entidades sérias das de araque. Assim, a exclusividade do Brasil em relação ao resto do mundo será apenas a jabuticaba.


Fonte: Correio Braziliense

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